"Um Mateiro"

Zé Serafim : Um menino Mateiro

Órfão aos oito anos, Zé Serafim fugiu e ganhou o mundo. Seu primeiro desafio foi atravessar um rio em enchente, agarrado ao guarda-mão da pinguela, flutuando na correnteza com a barriguinha na água. Nenhuma bagagem além de si mesmo. Ninguém ousou segui-lo.

A coragem o definiu. Caminhou até os quatorze anos, parando brevemente onde a vida lhe oferecia alguma promessa, mas as decepções o empurravam sempre adiante. Nunca estudou—só trabalhou e viveu como pôde.

Na adolescência, criou laços com uma família em Arantina, Goiás, um distrito fundado pelos ancestrais de minha avó materna. Há dez anos, já com oitenta, tornou-se nosso amigo. Seu nascimento só foi registrado em 2023, com base nas informações que ele mesmo forneceu—dados construídos por sua própria mente, pois cresceu sem origem nem referências documentadas.

Vivendo e trabalhando dentro do Cerrado de Goiás, Zé Serafim acumulou um conhecimento raro sobre a fauna e a flora da região. Visitei-o por alguns anos, e meu pai o levou a Arantina, onde ele se reconectou com a família que adotou como sua.

Com ele, aprendi e ensinei. Trocamos saberes e fazeres tradicionais. Era meu geolocalizador das jacas mais doces, conhecia o canto dos pássaros e os hábitos de cada animal, até mesmo das formigas. Dominava os segredos das plantas medicinais, extraía látex , resinas e raízes curativas. Tudo o que floresce, ele planta — inclusive gergelim e flores singelas.

Foi com ele e meus pais que fiz algumas incursões pelos fragmentos de Cerrado que ainda resistem. Ao longo dos anos, compartilharei essas memórias, resgatando um pouco desse universo tão rico e pulsante.

PT_BR